domingo, 29 de maio de 2011

Diálogo entre as palavras


- Não tenha medo, eu não vou te fazer mal algum... Mentira. Talvez faça. Mas não precisa ter medo, o prazer da nudez, o prazer da beleza, superará qualquer dano imediato. A dor vem depois, entretanto agora apenas observe como o meu corpo de palavras possui curvas. Não é disso que você gosta, amor?

[- Ah! Como eu me apaixono por você em pequenos instantes de momento. Nestes instantes em que nós não dizemos nenhuma palavra, nestes instantes que só ficamos entregues aos nossos atos, que deixamos a vontade de nossos corpos agirem por si só. Nestes instantes eu sei que nossos corpos querem se tornar uma estrela que brilharia por toda a imortalidade. E sei como nos tornamos escravos do tempo, como nos tornarmos amantes eternos do momento e vítimas do nossos próprios sentimentos. ]

- A culpa não é absolutamente minha se depois de um sexo bem feito, você vem correr atrás de correspondências de amor. Não se zangue com as palavras amorosas que te dou hoje e te tiro amanhã, palavras são só palavras, só fonte de prazer ou de dor pela falta de prazer, vai me dizer que você não gostou do seu orgasmo enquanto esteve comigo? Gostou que eu sei. Está gostando até agora. Eu não posso mentir, também gostei do tempo em que estivemos juntos, mas tudo acaba um dia, e as coisas são assim mesmo, é a ordem natural das coisas, a longínqua finidade... Não queria incomodar a sua intimidade, mas é preciso dizer as coisas que se quer dizer, mesmo que elas não signifiquem nada, apenas pelo gosto. Afinal, , quando se quer ofender é ótimo dizer ofensas e quando se quer iludir, é ótimo dizer palavras de amor.

Você agora que me vê um pouco mais sem roupa, gostou? Gosta do que está vendo? Decidi me compartilhar! Assim, de pronto e tanto, para mostrar a beleza dos meus defeitos. É que aqui imóvel, sentido prazer, sentindo tanto prazer, ah, devo estar no ápice, amor. Aqui paralisada, penso em quantas pessoas nuas já vi, quantas eu já tirei cada pedacinho que as cobria e quantas vezes já vi meu próprio corpo nelas, o meu molde. E como ,sem saber, elas me tocavam cada vez que eu as tocava. Toquei Sabino e fui tocada por Lispector, Violei Goethe e fui violada por Dostoievsky, Penetrei surdamente em Drummond e fui penetrada por Abreu, Matei Mário e fui morta por Flaubert. Mas de tudo isso, se o que conto é a essência, é preciso ainda dizer que me viciei na nudez, sem nunca mostrar a minha.

Digo agora então, seja bem-vindo a minha nudez. Eu deixo que você prove as estrelas do céu da minha . e da minha . e da minha . e da minha. e da minha. Eu deixo que você me complete a cada instante, porque as vezes preciso desse complemento. E talvez precise completar também. Não porque eu tenho medo de ficar sozinha, em fato, eu gosto de ser sozinha. Estou acostumada a ser só, mesmo junto dos outros. Digo isso sem grande amargura. [1]

É que as vezes, tenho vontade de me retirar de dentro dos outros. Tenho vontade de ficar só comigo mesma, sem mais julgamentos, sem mais tristezas ou arrependimentos. Porque me sinto só, mas não penso que isso é triste. A maioria das pessoas se sente mal ao estarem sós. As pessoas se acostumam tanto com a presença do outro que se esquecem que no fundo estão completamente sós. Pensam constantemente no outro, crescem, constroem amizades, vivem amores, namoram, casam, procriam, sorriem, fazem de tudo para encontrar no outro a felicidade eterna. Jogo tudo no deserto e vou viver do jeito que quero. Afinal, quem proclama palavras de infelicidade na solidão, antes de tudo possui medo de viver consigo mesmo. Tem medo de se enfrentar, de encarar quem realmente é, tem medo de se sentir incompleto... mas o outro irá nos complementar?

Somos incompletos e qual é o problema disso? Que medo é esse de se sentir incompleto?

É por isso que você corre atrás de mim, não é? Gosta de se sentir com a companhia de alguém, é sempre assim. Parece estar sozinho, mas está acompanhado. Olhe ao seu redor, está sozinho, não está? Não. Está comigo aqui, sussurrando carícias de amor e é provável que eu faça você enlouquecer. Quer saber? Eu me autonomeio sua amante, sem exclusividade, pois sou amante das palavras também. Fazemos todos “ménage à trois” e isso é tão mágico e tão dirty [2]. Nos beijamos tão completamente, que ainda posso sentir a sua boca na minha, o giro da sua língua, as palavras indizíveis pelo seu gesto e as palavras que foram ditas por ele. É tudo tão saboroso...

[...]

- Se quero continuar aqui? Poderia passar aqui o resto da minha vida, mas você sabe que eu tenho mania de insatisfação. Quando estou no ponto de maior felicidade, me tomo por insatisfeita e pronto tudo se acaba como em um ponto final.

[...]

- Ah, baby,não. Não faça cócegas nas minhas palavras. É essa constante mania que você tem de rir do que eu falo que me faz querer ficar tão distante. As vezes você me incomoda. Por que tem que estar sempre ai pronto para me desviar do assunto e me fazer rir? Não se sinta supremo pelas minhas palavras, hein? Eu não preciso totalmente de você para rir, é só eu pensar em uma frase dita por alguém, mas criada por mim, que já começo rir. Mas não posso mentir que é bom sentir suas mãos no meu corpo. É bom sentir seus olhos no meu corpo. Sinto-me tão desgostosamente gostosa nua. Ah, ah, ah, você me fecunda com esse seu sorriso, pare imediatamente ou não continuo mais.



[1] Clarice Lispector

[2] Sujo em inglês.

Nenhum comentário:

Postar um comentário